Cerca 4,5 bilhões de pessoas no mundo não dispõe de serviços de saneamento básico e água potável, o que seria um crime, considerando que no dia 28 de julho de 2010 a Assembleia Geral da ONU declarou que o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico são direitos humanos fundamentais. Apenas 50% da população brasileira tem acesso à rede de esgoto e 77% a rede de água potável.
EM QUE MOMENTO A ÁGUA COMEÇA A SER UM RECURSO ESTRATÉGICO E DEIXA DE SER UM DIREITO HUMANO?
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Foto divulgação |
Diretos humanos são todos os direitos relacionados à garantia de uma vida digna a todas as pessoas, garantidos pelo simples fato de ser humano. A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2010, garantiu por meio da resolução nº 64/292, a água como um direito humano essencial. Entretanto, cerca de 884 milhões de pessoas não possuem acesso a água potável, e aproximadamente 1,5 milhão de crianças de até 5 anos de idade morrem a cada ano devido a doenças decorrentes de problemas com a água e o saneamento. Para André Lima, advogado, empreendedor socioambiental e ex secretário do Ministério do Meio Ambiente do Distrito Federal, foi preciso chegar a uma crise hídrica para despertar a atenção das autoridades, o que afirma que elas enxergam sim a água como um recurso estratégico, “não existe agricultura aonde não tem água para irrigação, boa parte da agricultura não vive só de água da chuva, exige irrigação”.
Se antes pensávamos que as populações flageladas pela relação entre poder econômico e uso político da água, eram só as pobres e de países desfavorecidos, hoje entendemos que mesmo nos países mais desenvolvidos existe uma série de pessoas que acabam sofrendo com essas questões. Tendenciosamente, há uma divisão de classes, as pessoas que mais sofrem são as que detêm menos poder e as que acabam se tornando mais vulneráveis com a questão econômica. Pensar na água como um direito humano vem tentando reverter essa tendência, procurando solucionar o problema dessas populações menos favorecidas.
Segundo Mariana Montebugnmoli, professora de Relações Internacionais da Unip Swift, determinados grupos, interesses, setores (industrial, agrícola), de determinados órgãos, acabam sendo privilegiados em detrimento dos setores marginalizados. Desde a década de 70, as pautas ambientais e sociais ascenderam na agenda global e começaram a serem debatidas e refletidas em instrumentos jurídicos. Há uma série de acordos, tratados e convenções que começaram a incorporar a ideia de que todo ser humano, pelo simples fato de ser um ser humano teria que ter o direito e acesso à água garantido. A relação da água com os direitos humanos significa que os países que fazem parte dessas resoluções, assinaram a carta e participam das assembleias consideram esses direitos e tem a obrigação de acatarem com isso. Se a população de um país que assinou às resoluções do direito humano a água não tiverem esses direitos garantidos, o país pode ser acusado de violação dos direitos humanos, como se tivesse cometendo uma tortura ou qualquer outro crime contra os direitos humanos.
A professora também diz que atualmente tem-se ampliado a interpretação do que seria um crime contra humanidade. “Supondo que determinado ato cause uma degradação ambiental em larga escala, aquilo pode ser considerado um crime contra humanidade, dependendo dos efeitos do uso politico da água”. Entretanto, para André Lima, a água é um direito humano, social fundamental e um direito individual, mas não um crime contra a humanidade. “O fato de a água não estar sendo distribuída de forma equânime não é um crime contra humanidade, mas é uma grave deficiência, que é preciso solucionar com politicas públicas e gestão eficiente”.
Para considerar um ato criminoso como um crime lesa humanidade, ele tem que ter algumas prerrogativas e critérios, dentre eles um ato desumano que seja praticado por um agente em nome do Estado e seja praticado de uma maneira sistematizada contra uma série de pessoas em um momento de conflito armado. Um exemplo é caso da Apartheid Hídrico, que muitos analistas veem o que está acontecendo na Palestina e acreditam que o governo Israelense muitas vezes tem aplicado politicas de discriminação na distribuição de recursos hídricos, mas não há um consenso. Muitos reivindicam que esse seja um crime contra humanidade, mas não há uma diretiva estabelecendo ou tratando isso de maneira consensual. André Lima diz que se trata mais de uma questão de política pública, “eu não diria que é um crime contra humanidade, mas uma deficiência da politica pública que precisa ser superada com mais investimento, mais política, mais institucionalidade, com o fortalecimento de gestão de recursos hídricos”.
A falta de vontade politica pode estar por trás de conflitos pelo acesso a água. Em alguns casos, as questões naturais podem provocar conflitos, como a escassez, baixos níveis biométricos, solo, etc, portanto, a resolução desses problemas depende da cooperação internacional. Mas, de outra perspectiva, países com grades reservas de água potável e recursos também sofrem com problemas de distribuição e isso pode estar associado à politica do país, em como esses recursos estão sendo distribuídos, como está sendo feita a gestão e quais interesses estão sendo privilegiados em detrimento de outros. André Lima diz que o que está em ameaça seria a capacidade de fazer uma boa gestão dos recursos hídricos, assim como os florestais e da nossa biodiversidade. “São recursos que exigem uma política pública consistente, que respeite a legislação existente, a legislação federal, isso está em risco”. André ressalta que o uso político da gestão da água para defender interesses que não são sociais, públicos e coletivos e sim para beneficiar empresas, por exemplo, é muito comum à questão da outorga de água para empresas, comprometendo usos sociais e o abastecimento humano, sendo uma inflação a legislação hídrica.
Mais de 700 cidades brasileiras desperdiçam mais de 50% das águas captadas, de acordo com a advogada de Direitos Ambientais, Luciana Novais Lanna, “isso significa que elas não voltam para lugar nenhum, no máximo uma hora vai evaporar e vai cair em forma de chuva. Ou seja, é desperdício mesmo. Em alguns casos as perdas chegam a 95% e os problemas normalmente são vazamentos, cano velho, falta de hidrômetro, problemas com a estação de tratamento da água e falta de investimento na infraestrutura”.
Os problemas de acesso à água partem de diversas dimensões e se desdobram em uma série de efeitos e consequências, e para resolução dessas problemáticas é necessário ter uma gestão integrada, uma integração entre os setores que estão responsáveis pela realização serviço. De acordo com Mariana Montebugnmoli, “no âmbito das relações internacionais se tem instrumentos jurídicos que tentam dar uma clareada para que os Estados avancem na resolução dos problemas”. A iniciativa ONU Água traz informações de casos que foram bem sucedidos para que os países possam analisar e aplicar a sua realidade; no Brasil a Agencia Nacional de Água (ANA) é o principal órgão responsável por pensar na gestão dos recursos hídricos, na coordenação e gestão de todos os processos relacionados à provisão dos serviços relacionados a água e saneamento. A gestão descentralizada envolve os estados, municípios, regiões localizadas, comitês de bacias hídricas trazendo uma realidade mais especifica daquela localidade, sendo um avanço e uma das formas de resolução dos conflitos. “Quando você tem mais pessoas que lidam diretamente com a água, como a população urbana e rural, os grupos são chamados para tomadas de decisões e aumenta as chances de resolução desses conflitos”.
Matéria produzida para o curso de Jornalismo da Universidade Paulista-UNIP, sob orientação da professora Cibele Buoro.
Jornal laboratório- 4°semestre.
Jornalistas:
Andressa dos Santos, Beatriz Oretti, Jéssica Almeida, Isabelle Cristina, Isabelle Miranda, Renan Casagrande.
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